Fragilidade das políticas públicas

Café Brasil 671 – Antifrágil

As incertezas econômicas e sociais do Brasil de forma alguma podem ser resumidas tão somente em razão dos últimos acontecimentos provenientes da pandemia do Covid-19. Seria ilógico pensar assim, vez que a volatilidade do nosso país, infelizmente, já é uma característica conhecida pela população brasileira e estrangeiros. De toda sorte, graças à variabilidade do sistema aprendemos, com o decorrer dos tempos, o que o autor Nassim Taleb expressa como antifragilidade: “pequenas variações fazem que elas se adaptem e mudem continuamente, aprendendo com o ambiente e existindo de certa forma, sob a contínua pressão para mostrar aptidão.” Assim, o povo brasileiro, apesar da fragilidade das políticas públicas e atos dos corruptos, pode ser considerado antifrágil em muitos aspectos! 

Essa variabilidade do Brasil, refletida pelo sofrimento e opressão da população, tornou-se mais visível nos tempos atuais, tendo que ser reconhecida inclusive por aqueles que a negavam. Válido ressaltar que este artigo não tem o tom de defender governo “a” ou “b”, mas precisamos ser realistas para afirmar que por muitos anos sofremos pelo feitiço da invisibilidade dos riscos dentro da administração pública. 

Essa tempestade revolta que estamos enfrentando está nos trazendo uma revelação de algo que estava encoberto por muito tempo por nuvens escuras e pesadas. O sistema de administração pública, estadual e municipal, é fragilizado, dependente e volúvel! 

É bem certo que uma pandemia, provavelmente, não estava no radar de muitas bases (avaliação) de riscos, mas a fragilidade do sistema de saúde, dentre outros problemas enfrentados pela população, não é um ponto obscuro dentro dos estados e municípios. Já era uma realidade conhecida pela sociedade, bem antes da pandemia. Segundo levantamentos divulgados pelo Departamento de Patrimônio e Probidade da Advocacia Geral da União (AGU), entre 60% e 70% dos desvios de dinheiro público no Brasil ocorrem nas áreas da educação, saneamento básico e saúde. Basta levantar os últimos escândalos de corrupção dentro do sistema de saúde do Estado da Paraíba que essa realidade fica ainda mais límpida aos nossos olhos. Foram desviados mais de R$ 134,2 milhões de reais! 

A percepção pública do risco de fraudes e desvios dentro do setor público deixou de ser uma novidade. Nesse passo, a maioria da população deixou de ser formada por meros aspirantes, tornando-se técnicos ao ponto de entender o reflexo prejudicial de uma corrupção e a fragilidade da administração pública. Como o autor alemão Ulrich Beck declara no seu clássico livro Sociedade de Risco: “A ciência ‘estipula riscos’”, e a população “percebe riscos”. Essa percepção de riscos denota a necessidade de uma consciência de mudança como lidamos com os grandes e abstratos gastos públicos, pois “(...) a atual crise de futuro não é visível; ela é uma possibilidade no caminho da realização.”.

Portanto, não podemos permitir que certos acontecimentos se tornem apenas estatísticas, até porque, infelizmente, milhares de pessoas morrem há muito tempo em decorrência do desprezo com o setor público, principalmente por aqueles que governam e estão no poder. Essa pandemia trouxe à tona uma real dependência dos estados e municípios pelas verbas federais, demonstrando claramente a assustadora volatilidade de baixo para cima. A administração municipal e estadual sufocadas pelo sistema instável e ineficaz. 

A mediocridade não consegue lidar com mais de um inimigo, por isso que o colapso trazido pela pandemia assolou muitos estados e municípios despreparados e atrasados. Vimos que o mundo é aleatório e imprevisível demais para uma política frágil e baseada para “inglês ver” (só no papel, não cumpridas na prática). 

Por fim, considerando que estamos dentro de um ano eleitoral municipal, válido trazer uma adaptação de uma metáfora produzida por Bertrand Russel extraída do Livro Antifrágil, de Nassim Nicholas Taleb: “Um peru é alimentado durante mil dias por um açougueiro; cada dia confirma, para sua equipe, que os açougueiros amam os perus “com uma confiança estatística cada vez maior”. O açougueiro continuará alimentando o peru até pouco antes do Dia de Ação de Graças. E então chega o dia em que não é realmente uma boa ideia ser um peru. Aí, surpreendido pelo açougueiro, terá que rever suas crenças — no exato momento em que sua confiança na afirmação de que o açougueiro ama perus está no ponto máximo e “é muito tranquila” e reconfortantemente previsível na vida do peru”. 

O essencial do aprendizado dessa metáfora é a reflexão de que podemos impedir de ser definidos como a previsibilidade da vida do “peru”, não consentindo que políticos desonestos, verdadeiros açougueiros, nos alimentem com promessas e realidades escondidas. A resposta está na mão da população, mais especificamente nas urnas e na escolha de uma administração para funcionar com integridade e segurança! Caso contrário, infelizmente, seremos alimentados por uma esperança fundada em aparências e no final facilmente abatidos, como um peru no Dia de Ação de Graças, por uma gestão pública ineficiente e ineficaz! 

O risco está no futuro, não no passado!


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