BRASIL: MORAES SE REÚNE COM LIRA PARA TENTAR “APROXIMAÇÃO”

Saúde para todos?

Plano de saúde ainda é o grande benefício oferecido no mundo ...

Apesar de os países que adotam um paradigma de "provedor universal" para o Estado, não apenas em saúde, como também em diversas outras searas sociais, como é o caso do Brasil, por exemplo, admitirem como prioridade institucional a oferta dos chamados serviços essenciais para toda a sua população, na prática, apresentam resultados muito inferiores àquilo que seria possível entregar sob estratégias alternativas dotadas de pretensão igualmente solidária e talvez até sendo-o de forma mais sincera e coerente. A decisão de política pública para a saúde é muito mais do que a popular e falsa dicotomia "seguro público universal x seguros privados".

Antes de se debruçar sobre os dados e experiências relacionados ao assunto, é preciso remeter a pressupostos fundamentais que tornam a questão mais complexa e distinta em relação a grande parte dos temas da gestão pública. Os serviços de saúde, diferentemente da proteção policial, do saneamento básico e de exibições públicas de fogos de artifício no réveillon, não são classificados como bem de utilidade pública, que significa um produto cuja oferta por parte do setor privado, desprovido de complexa regulação, torna-se inviável ou pouco eficiente em virtude das seguintes características: não excluibilidade, quando é impossível ou muito oneroso impedir que os não pagantes usufruam do bem em questão, e não rivalidade, quando é possível o consumo de uma mesma unidade do bem em questão por vários consumidores ao mesmo tempo. A ideia de "saúde universal" parte do pressuposto do teórico William Beveridge, que, na década de 1940, postulou que cabe ao Estado ser o principal praticante dos princípios da "solidariedade" e da "cidadania", a fim de garantir a "dignidade da pessoa humana", colocando os bens e serviços considerados essenciais à manutenção desta como responsabilidade estatal, algo que, no Brasil, está presente, por exemplo, no artigo 196 da Constituição ("a saúde é direito de todos e dever do Estado").

Não obstante o fato de ser viável a livre prestação dos serviços privados de saúde, existem fatores que comprometem sua execução pura. No mercado de seguros privados, cujo predomínio é das empresas mais economicamente bem estruturadas do setor, há o risco moral atrelado à cobertura fixa dos custos do cliente, que incentiva o usufruto desleixado, por parte do paciente, dos recursos ofertados; a oferta induz a demanda, isto é, o consumidor não tem conhecimento do que demandar com precisão e é viesado pela condução dos profissionais médicos; o demandante não consegue planejar seu consumo futuro do bem, pois não sabe se terá, qual será e quando terá necessidade pelo serviço; há dificuldade em mensurar os custos envolvidos na oferta; há seleção adversa pelos ofertantes, o que faz com que estes aumentem o preço para os grupos de risco, os mais propensos a complicações de saúde, que geralmente são os mais pobres, por conta das precárias condições de higiene e prevenção dos ambientes periféricos, e os mais idosos, pela redução da imunidade e deterioração natural do organismo, gerando uma tendência excludente para ambos; e há a reserva de mercado, um agravante artificial, em favor dos profissionais especificamente registrados e autorizados para exercer a medicina, por um órgão sindical, o que reduz a oferta no setor, cerceando o direito moral de livre escolha, por parte dos pacientes, de qual será seu próprio cuidador ou atendente, e aumentando o preço médio de mercado dos serviços de saúde. Ademais, o setor privado de saúde é continuamente induzido a oligopólios, tanto pela própria ética médica, que condena a propaganda e a competição aberta entre médicos, favorecendo poucos conglomerados já conhecidos e hegemônicos, quanto pelo Estado, que promove, na maioria dos casos, obscura simbiose com os cartéis, regada a privilégios custeados pelos recursos públicos.

No que diz respeito aos possíveis modelos para a saúde pública, há, fundamentalmente, quatro alternativas, não se encontrando experiências nacionais de um sistema em sua forma pura, sem mesclas: universalista, que consiste na execução estatal dos serviços e financiamento ao menos majoritariamente estatal, eventualmente com taxas para alguns serviços, é adotado no Reino Unido, no Brasil, na Suécia e na Austrália; seguro social, baseado na ótica jurídica de Bismarck, propõe seguro-saúde obrigatório, pago por contribuições patronais e trabalhistas e por aportes avulsos, servindo apenas aos contribuintes e seus grupos familiares, é adotado na Alemanha, na França, na Holanda, na Suíça, no Japão, no México e no Chile; assistencialista, em que a saúde passa a ser expressamente uma obrigação social, ao invés de um "direito", como no universalista, com os mais ricos financiando os mais pobres e vulneráveis na saúde estatal; e seguridade privada, em que a ação do Estado é bastante limitada e a oferta do serviço é descentralizada em empresas privadas, é adotado nos Estados Unidos e na Suíça até 1996. Há, ainda, as nações que praticam modelos mistos, sem predominância definida de algum dos sistemas citados, como o Canadá, que possui financiamento e coordenação das políticas por parte do governo federal, delega a gestão aos estados e a execução dos serviços ao setor privado, e a Argentina, onde a oferta se divide acirradamente entre seguro social, seguro público e seguro privado, este último se concentrando mais na grande Buenos Aires. O que há em comum entre os países que se colocam como provedores universais dos serviços de saúde, em seu território, por meio do governo, exceto no caso do Brasil, são percentuais expressivamente majoritários da participação de recursos financeiros públicos no setor, população inferior a 100 milhões de habitantes e saúde privada complementar, ou seja, cobre, quase que exclusivamente, serviços não oferecidos pelo Estado, bem como problemas, também compartilhados pelo modelo brasileiro, a exemplo do elevado tempo de espera para atendimentos e maior vulnerabilidade a colapsos atrelados a excesso de demanda, como em epidemias, por exemplo. Já no modelo oposto, de seguridade privada, nos EUA, mais de 70% da população é atendida pela iniciativa privada, até antes mesmo da criação do Obamacare, que distorceu o sistema, há subsídio estatal para os idosos pobres, por meio do Medicare, e para parcela considerável dos pobres em geral, por meio do Medicaid, que é um fundo público compartilhado por estados e união, e há, também, cobertura médica e hospitalar filantrópica. Em tal sistema é possível responder de forma mais rápida e eficiente a excessos circunstanciais de demanda, tendo em vista a maior versatilidade, pela ausência de necessidade de licitações burocráticas, e a presença de incentivo econômico, atrelado à expectativa de retorno financeiro, fatores que não acometem o setor público.

Fora da lógica de seguros, pré-pagos, existe uma opção que costuma ser menosprezada em análises superficiais: atendimentos particulares pós-pagos, inclusive com médicos autônomos e consultórios independentes, que constituíram mais de 90% dos gastos em saúde em 21 países de 33 das Américas. Isso porque é mais financeiramente cômodo e sanitariamente racional, já que é extremamente baixa a chance de indivíduos razoavelmente sadios apresentarem, no decorrer de sua vida, um número suficientemente grande de necessidades médicas para que seja mais compensador o gasto fixo com seguro-saúde. No entanto, parcelas minoritárias da população, sobretudo da elite econômica, costumam apresentar resistência a tal expediente, já que os seguros em geral concedem desencargo de consciência e tal estrato social possui disponibilidade financeira abundante o bastante para desprezar, inconscientemente, parte dela em meros confortos psicológicos fúteis.

Existem diversos sistemas palpáveis e experimentados que cumprem melhor o objetivo do provimento máximo de serviços de saúde à população, sobretudo à mais necessitada. Modelos pretensamente universalistas centralizam recursos e poder em entes federativos, distantes do contato direto com o povo e, portanto, dotados de menor precisão na compreensão da demanda e blindados de maior severiadade por parte de reprovações populares. É sabido que a livre iniciativa, estando garantidos pelo Estado os princípios norteadores da livre concorrência, é mais capaz de identificar e atender os dinâmicos, subjetivos e complexos desejos dos consumidores e deve ser aproveitada ao máximo pelos mecanismos de política pública, principalmente em um setor tão vital como a saúde. A prática da cidadania e da solidariedade deve ser deixada para as pessoas, de forma direta e real, pois é por meio da espontaneidade cara a organismos não governamentais que se fez e se faz caridade na história da civilização, não por meio de espólio e usurpação de prerrogativas alheias.


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