O mito do capitalismo


Nosso sistema econômico, em termos gerais, capitalista, possui alguns defeitos, junto à natureza humana, o que é normal, mas apresenta uma série de aspectos que são muito distorcidos e mal explorados pelo meio acadêmico e científico, que foi contaminado por um viés ideológico, na mais generosa das hipóteses, sem muito embasamento. 

Quando se fala em capitalismo, deve-se pensar o seguinte: essa palavra, capitalismo, surgiu como uma novilíngua, uma palavra criada por uma corrente de pensamento que era simbolizada, de forma principal, por Karl Marx. A palavra capitalismo é uma forma de estigmatizar o sistema econômico vigente, colocá-lo como centralizador e como algo que põe em seu princípio, em seu centro, o capital e negligencia o social. Ou seja, capitalismo, enquanto palavra, termo, foi algo criado por uma corrente de pensamento, personificada em Karl Marx, para denegrir a imagem do sistema econômico que na verdade se chama economia de mercado. Esse é o real nome do sistema. 

Temos nos deparado com tais estigmas, essas "palavras novas", em várias searas, não só na parte econômica. Há inclusive na discussão feminista. Por exemplo, a palavra "machismo" jamais existiu em nenhum dicionário do mundo, foi criada pelo movimento feminista, como uma novilíngua, para denegrir os homens por serem homens. "Feminicídio" é uma variante da língua portuguesa para se denominar o assassinato de uma mulher por ela ser mulher, sendo um caso tão pouco significativo estatisticamente que nem mesmo era considerada uma palavra existente no dicionário. Em resumo, é notório que há uma distorção no debate público por meio da criação de novos termos e deturpação daquilo que de fato é verdade científica, comprovada. 

O tema aqui não se limita ao capitalismo puramente, mas também como esse sistema interage com as classes sociais, principalmente com os pobres. O que o capitalismo faz, digamos assim, pelos pobres? Ele favorece, ele prejudica, ou ele é neutro? Ora, quando se fala sobre essas questões e sobretudo se quer avaliar o impacto sobre as classes econômicas, deve-se analisar o capitalismo na globalização, e não apenas em nível nacional e local. Por que isso é importante? Porque é preciso entender e ter discernimento suficiente para identificar falácias que são jogadas a nós quando se compara vários ambientes de negócios. Por exemplo: a crítica do estudioso, pensador, Thomas Piketty, em suas obras literárias, propõe que a desigualdade mundial se agrava a cada geração, e isso seria fruto, fundamentalmente, do próprio sistema capitalista, que concentraria riqueza naturalmente. Karl Marx, há séculos, falava a mesma ideia: o capitalismo não precisa de uma revolução para que ele mesmo entre em colapso, ele já tende a isso porque concentra riqueza naturalmente, levando ao momento em que a riqueza estará tão concentrada que a população naturalmente fará a sua redistribuição. Há várias narrativas, por parte dos críticos e céticos, que apontam nessa direção. É preciso identificar a nuance dos fatos para saber: os problemas, dado que eles existem, são causados pelo quê? Pela própria essência do sistema ou por intervenções que prejudicam o seu funcionamento? 

Muito se advoga em defesa da política de subsídios a empresas, indústrias nacionais e produtos nos quais o país enxerga algum potencial em fabricar. É dito que isso foi feito pelos países mais desenvolvidos do mundo, inclusive pelos Estados Unidos e países europeus, e de fato foi feito. No livro Chutando a escada, o economista asiático Ha-Joon Chang afirma exatamente tal tese: os países desenvolvidos praticaram a referida política, financiando seus setores industrial e agrícola, entre outros, por meio do dinheiro estatal, que é arrecadado via impostos, e isso deu certo, supostamente deu certo. Então, depois que essas nações chegaram a um elevado patamar de riqueza, "chutaram a escada", ou seja, passaram a recomendar políticas de liberalização inconsequente aos países subdesenvolvidos, para que eles abrissem seu comércio exterior e os países já consolidados no mercado internacional pudessem predominar e dominar toda a negociação entre países. Ora, é preciso avaliar o seguinte: os países desenvolvidos alcançaram alto patamar de riqueza por diversos fatores. A mera política econômica de incentivo à indústria nacional, ou de setores de eventual preferência, não seria suficiente para gerar esse resultado. Os países europeus foram privilegiados pelo surgimento das primeiras escolas, na Grécia, das primeiras universidades, com a Igreja Católica, dos hospitais, com esta mesma instituição, e pela Reforma Protestante, que afetou drasticamente a economia e os incentivos dos agentes econômicos, com uma cultura que valorizou mais o trabalho e o empreendedorismo, em contraposição à crença católica contrária à usura, empréstimo cobrado a juros, e ao acúmulo de riquezas. Esse novo elemento religioso fez com que o capitalismo fosse impulsionado em termos culturais e a prosperidade foi mais endossada. Tudo isso ocorreu na Europa, e ela exportou isso para suas colônias, para algumas, mais, para outras, menos. No caso dos Estados Unidos, o modelo de colonização foi o de povoamento. Qual foi a cultura predominante? Protestantismo. Ou seja, esse país começou de uma forma muito mais impulsionada do que várias outras nações que foram colônias, por exemplo. Hoje os norte-americanos abrigam as melhores universidades do mundo, privadas, inclusive. São lugares que desfrutaram de uma grande herança cultural, de valores e descobertas científicas. Havia um aparato enorme a ser desenvolvido pelo mercado, por meio da concorrência e do empreendedorismo. O incentivo a determinados setores foi algo coadjuvante em termos históricos quando analisamos esse conjunto de fatores. 

Quando nos debruçamos sobre o caso do Brasil, por exemplo, o contexto é totalmente diferente. Este país foi um dos que mais demoraram a ter sua primeira universidade fundada, foi colonizado segundo o modelo de exploração e possui uma série de defasagens, isso sem considerar a questão dos incentivos culturais, que são, de certa forma, avessos ao empreendedorismo. Apesar de abrir uma empresa ser o quarto maior sonho do brasileiro, existe toda uma cultura que demoniza o empreendedor e a pessoa produtiva, algo que podemos chamar de cultura da inveja. Isso faz com que não haja, em boa medida, incentivos e ambiente de negócios para o crescimento consistente. O Brasil é considerado uma pátria capitalista e colocado como um exemplo onde o capitalismo concentra riqueza e agrava a situação de pobreza e desigualdade, não sendo algo a ser endossado, mas sim controlado e regulado. Esse é o pensamento vigente na maior parte dos ciclos de debate sobre o assunto. 

Ora, existem vários tipos de capitalismo, não há O modelo capitalista, homogêneo. Alguns países possuem um capitalismo mais livre, ou seja, as amarras regulatórias são mais simples, são poucas, os impostos são cobrados de forma simplificada e enxuta, as empresas públicas são menores ou não existem, e assim por diante. A interferência estatal é diferente em cada nação. O capitalismo, quando cultivado de maneira equivocada e distorcida, prejudicará, sim, os mais pobres. Como isso ocorre? O caso brasileiro é emblemático em vários assuntos: há diversos oligopólios no centro produtivo da economia nacional, isto é, um número diminuto de concorrentes e um grande número de barreiras à entrada de novas empresas, novos players. Isso se dá em setores como aviação, telefonia e financeiro, entre outros. Há monopólio, praticamente, no refino de petróleo e na geração de energia elétrica. Tudo isso é controlado pelo Estado ou é drasticamente regulado por ele por meio de suas autarquias, como CADE, Anatel, Anac, CONAMA, etc.. Esses excessos geram uma configuração improdutiva para a economia do país. 

A inflação, que, por definição, é o ritmo de crescimento do nível geral de preços, deveria baixar, por exemplo, quando o país entra em crise. Num primeiro momento do ciclo econômico, há uma grande elevação do nível geral de preços, mas quando a economia começa a apresentar capacidade ociosa, em tese, deveria haver deflação, queda no nível geral de preços. No Brasil isso é muito difícil de ocorrer. No máximo, a inflação fica menor nesse período, pois existe um piso inflacionário que dificulta o reajuste da economia. O preço da energia elétrica, fortemente atrelada ao Estado em geração e transmissão, não responde normalmente a estímulos de mercado e a maior parte da infraestrutura nacional é controlada pelo Estado, impactando fretes e etapas logísticas cruciais para a produção. Tudo isso impacta no preço do produto final, ou seja, o Estado brasileiro, interferindo da forma que está fazendo, está atrapalhando o capitalismo e fazendo com que ele prejudique os mais pobres, porque os preços ficam mais altos e os cidadãos de baixa renda gastam mais em produtos que deveriam ser mais baratos, comprometendo sua capacidade de poupar. Outro motivo pelo qual os preços são tão altos: impostos cobrados em excesso sobre consumo. Só há dois países que não cobram tributos sobre lucros e dividendos: Brasil e Estônia. Mas isso não é tão simples. É preciso fazer uma readequação na estrutura tributária do país, desonerando consumo e fases iniciais da produção para poder onerar renda, lucro e dividendos, e não simplesmente cobrar sobre o que não é cobrado. Quando se tem mais imposto sobre consumo, os pobres pagam muito mais, por conta de algo chamado propensão marginal a consumir: quando sua renda é menor, você gasta proporcionalmente muito dela em consumo, ou não poupando nada, ou muito pouco, porque sua necessidade é grande e a sua renda é pequena. Isso dificulta também a mobilidade social dos mais pobres. Como podem acumular riquezas se são travados pelos impostos sobre consumo, pela burocracia para abrir empresa e pelos oligopólios, que fazem com que os produtos e serviços tenham baixa qualidade e preços ainda mais altos, dado que não há incentivos para melhorar tais fatores por conta do baixo número de concorrentes? Todos esses tópicos são de responsabilidade do Estado. 

O capitalismo globalizado só é bom para o país que sabe se posicionar bem no comércio internacional. Se temos essas inúmeras barreiras à produtividade, à mobilidade social e à formação de poupança, como entrar de forma competitiva no mercado internacional? Teríamos nossa indústria local, por exemplo, destroçada, tendo os setores econômicos internos bastante defasados em relação aos países de outros continentes. Estes já fizeram o papel que lhes cabia, seu dever de casa. Eles chegam ao mercado internacional, concorrendo com outros países, com uma vantagem considerável. Não podemos entrar livremente no mercado internacional com a atual configuração, para concorrer com produtos chineses, americanos, europeus, etc., porque o Brasil tem uma baixa produtividade, que em média cresce 1,1% ao ano nos últimos 10 anos, abaixo da média africana e asiática, e muitos de nossos produtos são de má qualidade e caros. Se abrimos a política econômica, se liberalizamos nosso comércio exterior de uma só vez, vamos prejudicar nossa economia a longo prazo. Virão produtos mais baratos, mas a indústria local e as empresas dos setores internos serão destroçadas, porque não temos condição de concorrer com os países robustos economicamente. Então, deve ser primeiro feita uma realocação dos fatores internos em prol do reequilíbrio tributário, de cortes a diversos privilégios do setor público, desburocratização, maior concorrência interna e privatização gradual de setores-chave da atividade produtiva, para que de fato haja aumento de produtividade e condições reais de concorrermos com outras nações. A partir disso conseguiremos fazer com que o capitalismo possa de fato beneficiar os mais pobres e a população como um todo.

* Este artigo é uma transcrição do início de uma palestra que ministrei a universitários na UFPB em 27 de novembro de 2019. 


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