O governo Jair Bolsonaro e suas turbulências


As dificuldades e problemas pelos quais vem passando o governo federal, apesar de apresentarem teor essencialmente diferenciado dos escândalos recorrentes de gestões anteriores, de natureza criminosa e atentadora do erário, revelam deficiências em termos de traquejo comunicativo por parte da cúpula que comanda a administração pública nacional. Os setores que integram o governo aparentam certa desarmonia e têm, entre si, membros que podem constituir obstáculos à estabilidade da gestão.

O emblemático caso da demissão do Ministro da Secretaria-Geral, Gustavo Bebianno, após trocar farpas com o filho do presidente, Carlos Bolsonaro, é, até o momento, a situação mais delicada pela qual passa o governo. Após ter sido levantada pela mídia a suspeita de lavagem de dinheiro que teria sido feita pelo PSL, partido do presidente, com o suposto aval de Bebianno, então presidente do partido, por meio de "candidatura laranja" que arrecadou 400 mil reais em repasse do fundo partidário, mas obteve apenas 274 votos, declarando ter alocado 95% do valor arrecadado em suposta gráfica, cujo endereço é, na verdade, o de uma oficina, o ex-ministro afirmou à imprensa que já havia conversado com Jair Bolsonaro e que já estava "tudo resolvido". No entanto, Carlos Bolsonaro, que disse ter passado o dia inteiro ao lado do pai na data em que teria ocorrido a conversa à qual se referiu Bebianno, divulgou um áudio onde o presidente se recusa a falar com o então ministro sobre o assunto da acusação de lavagem de dinheiro contra seu partido. Tal atitude fez com que a permanência de Bebianno no cargo ficasse insustentável, tendo em vista sua tentativa pública de usar o Presidente da República como escudo das acusações e para tranquilizar artificialmente sua situação no governo. Depois de ter sido demitido, publicou áudios de conversas que teve com Jair Bolsonaro acontecidas no dia ao qual se referiu na entrevista, que comprovaram que de fato dialogou com o presidente, mas sobre assuntos institucionais, não sobre a suspeita que pesa sobre seu partido.

Todo esse mal-estar se deu por conta, primeiramente, de um modus operandi que contamina a classe política brasileira de modo geral, baseado no uso de "candidatos de fachada" como instrumentos de capitalização dos repasses do fundo partidário, que é financiado com dinheiro público, a fim de utilizá-los para fins não declarados; e, em segundo lugar, pela falta de habilidades comunicativas da equipe do governo, que se viu agravada pela ausência temporária do presidente enquanto estava no hospital. Tal capacidade é fundamental para que problemas sejam resolvidos e até para que não sejam originados. A divulgação abrupta e fatiada de informações nevrálgicas causa um ambiente instável, que é superdimensionado por setores da mídia inimigos do governo. 

Os mecanismos legais de financiamento dos partidos contaminam profundamente a matriz de incentivo dos agentes políticos, que passam a maquinar planejamentos obscuros a fim de otimizar o uso dos recursos disponíveis. A proibição do financiamento por pessoa jurídica, colocado erroneamente como a raiz dos males, já que os financiadores mal-intencionados são, na verdade, efeito da possibilidade nociva de contrapartida estatal antirrepublicana; e o enaltecimento do repasse de dinheiro público como um meio virtuoso para viabilizar as campanhas, fazem com que o sistema perverso se fortaleça ainda mais, blindando grandes partidos e seus caciques enquanto sufoca candidatos outsiders e pouco conhecidos.

A decisão de Jair Bolsonaro em se candidatar a presidente do Brasil como um representeante legítimo do ideário popular politicamente órfão há décadas, lhe impôs custos inevitáveis que cada vez mais vêm à tona. O vínculo a uma estrutura partidária, indispensável a um candidato, que, inserida no próprio sistema ao qual combate e complexa o suficiente para vedar seu monitoramento pleno, mantém nuances obscuras em algumas de suas atividades, afeta inevitavelmente seu recém-chegado líder, e cabe a este lidar da maneira que melhor dissipe tais turbulências. Somado a isso, há a falta de experiência administrativa que pesa sobre a grande maioria da equipe de governo, acarretando no surgimento de dificuldades incomuns e até mesmo exóticas, mas que tendem a ser ao menos atenuadas com o passar do tempo.


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