A ascensão da direita e a dinastia dos coléricos

El pecado de la soberbia: Bolsonaro, Johnson y Trump subestiman la ...

A psicologia nos fornece singelo mapeamento das mais variadas nuances e facetas da natureza humana, e essa ampla diversidade se reflete em efeitos de extrema relevância em todas as áreas da vida, com impactos sociais colossais ao longo das gerações. Na política, seara mais ligada ao ímpeto dirigente da raça humana, não poderia ser diferente. Cada corrente de pensamento filosófico ou segmento político foi e é impulsionado por traços de destaque de cada tipo de temperamento, camada da personalidade e constituição de caráter humanos.

Desde Hipócrates, pai da medicina, existe a teoria dos quatro tipos de temperamento: melancólico, caracterizado pelo perfeccionismo, introspecção, egocentrismo e hipersensibilidade; fleumático, caracterizado por frieza, tranquilidade, paciência e acomodação; sanguíneo, caracterizado por extrospecção, instabilidade emocional, amabilidade e superficialidade; e colérico, caracterizado por determinação, autossuficiência, destemor e pouca sensibilidade. O temperamento, em linhas gerais, é a parte que se refere à natureza espontânea das ações do ser, bruta, sem lapidações externas, enquanto o caráter é sua essência moral e a personalidade é a vestimenta aparente de sua postura externa. Os mais diversos tipos de ideias são concretizados de acordo com o grau de participação de indivíduos portadores de características inatas que sejam mais compatíveis com a natureza dos primeiros.

Na política existem ideologias, e estas são aprimoradas, conduzidas e concretizadas, tanto intelectualmente quanto em termos práticos, por pessoas que possuem, sobretudo, um temperamento predominante que seja, por natureza, inclinado a aderir aos pressupostos das primeiras. A Esquerda, pautada pela desilusão com o mundo real e pela ausência do conceito de genuína transcendência espiritual, que leva à busca por uma utopia como forma de libertação do abismo existencial materialista, ganhou imenso terreno nas instituições sociais pelo mundo a partir do desdobramento intelectual de pensadores frios e meticulosos, como Antonio Gramsci, Jacques Derrida, Herbert Marcuse e tantos outros, que desvendaram métodos perversos de engenharia social ao sabor de mentalidades doentias, e do processo contínuo de tentativa e erro de homens de ação, como Stálin, Mao Tsé-Tung, Hitler, Trotsky e tantos outros, coléricos por excelência, que, impulsionados, por mais inconscientemente que pudesse ser, pelos pressupostos filosóficos de seus pares ideológicos de vocação intelectual, geraram efeitos devastadores no mundo ao mesmo tempo em que sanearam o terreno social para as gerações seguintes de correligionários, naturalmente mais propensos, pela experiência do passado, às mais inovadoras formas de tentar concretizar sua sombria ideologia. Se o passado da Esquerda foi marcado por indivíduos corajosos e destemidos para fazer o mal, guiados por melancólicos sem escrúpulos, perfeccionistas para engendrar maneiras cada vez mais eficientes de dominação social, a modernidade produziu militantes acovardados, intelectuais pobres de bagagem filosófica e esquerdistas por inércia, involuntariamente adeptos do senso comum.

Essa realidade produziu cenários em que o indivíduo colérico, aquele marcado pela determinação, no caso de ser dotado de um caráter moldado pela moralidade, em defender o que acha certo sem temer reprovações de seu meio, passou a estar marginalizado na sociedade. A tradicional figura do Homem Forte, cara à antiguidade, que o moldou com guerras e necessidade constante de tomar decisões difíceis, se tornou praticamente criminalizada, associada ao asco alheio. E foi justamente em meio a tal pandemônio que se despertou a distinta coragem dos coléricos vocacionados a mudar os rumos em grande abrangência. Houve o resgate, como sempre ainda que inconsciente, dos valores que trouxeram o progresso ao mundo, sobretudo ao Ocidente, bastião da liberdade e das consistências econômica e espiritual, por homens práticos, destemidos, obstinados e firmes, entre os quais se destacam Boris Johnson, no Reino Unido, que se notabilizou pela perseverante e aprofundada defesa do brexit em meio à pusilanimidade de políticos do Partido Conservador, tímidos na condução desse projeto popular e afrontoso às oligarquias europeias; Donald Trump, nos Estados Unidos, que surgiu como piada, pelo seu estilo diferenciado na firmeza de seus posicionamentos confrontadores de um establishment que há tempos enfraquece até mesmo os quadros do Partido Republicano, tradicionalmente defensor dos valores dos pais fundadores do país, até mesmo gerando uma aparente drenagem de testosterona em seus membros homens, e retomou a virtuosa essência cultural de seu país; e Jair Bolsonaro, no Brasil, que, meramente por ter os trejeitos da massa, foi e é visto como tosca caricatura por uma bolha elitista que perdeu ou nunca teve contato relevante com o povo, mas venceu, ao menos eleitoralmente, o poderio econômico oligárquico de seu país e empoderou a censurada e órfã vontade popular majoritária, suportando até mesmo uma facada. A Direita passou a quase pressupor necessariamente a condução por indivíduos coléricos, num mundo onde a força retórica de uma minoria hegemônica, construída a duras penas por obstinação maligna, pauta as mentes da massa despolitizada e pouco consciente da guerra cultural assimétrica que a cerca e faz com que os destoantes sem o vigor suficiente sejam sumariamente fulminados pela censura social induzida. A notória autenticidade, que gera o zelo pelo império da verdade; fibra na luta contra a corrente corrompida e até mesmo frieza na defesa de aparentes contrassensos desumanos, como é o caso das ideias econômicas liberais, que num marasmo de estatismo utópico soam como crueldade, fazem do colérico vocacionado alguém imprescindível no esforço pelo que é certo, predominando no espectro político direitista por identificação embrionária, antes mesmo de qualquer estudo mais detalhado.

Os demais tipos de temperamento esbarram em suas marcantes limitações frente à coletividade, das quais o tipo colérico não dispõe em tal grau a ponto de vedar suas ações em prol de suas convicções. O sanguíneo político, socialmente condicionado a ser um ator antes de tudo, não possui o perfil de se aventurar nas "polêmicas" direitistas, na tentativa atender aos pressupostos da Teoria do Eleitor Mediano, que propõe que os extremos não agregam a massa, pois esta se vê inevitavelmente conduzida ao centrismo político ao constatar que as opções que mais concordam com suas ideias geram muito mais rejeição que as opções mais moderadas, o que faz com que as chances de sucesso eleitoral das primeiras sejam menores e decaiam cada vez mais à medida que mais eleitores se dão conta dessa realidade, o que torna o pleito uma mera disputa entre candidatos que melhor consigam se equilibrar no estreito "muro" ideológico. Uma mentalidade brutalmente falha quando se defronta com a relatividade do significado do termo "extremo", que varia de cultura para cultura. O político melancólico, por sua timidez crônica, que na melhor das hipóteses produz um candidato excessivamente comedido no que fala, se vê desprovido de sintonia com a intensa indignação do povo simples e autêntico, além de se deparar com pressões de inimigos das quais não é capaz de suportar. E o político fleumático, talvez o perfil mais acomodado aos establishments, não tem a motivação e a proatividade de se mover contra a corrente, se tornando, pelo contrário, mais um entre os numerosos obstáculos humanos ao ímpeto colérico moralizador.

Os coléricos não são de forma alguma os que menos erram, mas têm suas falhas em âmbitos que geralmente não constituem impedimentos à luta política pelo resgate dos valores transcendentes que salvam a sociedade do caos anárquico e niilista. O caráter, porém, é que será determinante para tornar as pessoas com vocações grandiosas que possuem tal temperamento predominante os arautos da virtude ou da perversidade. Em ambos os casos terão umas das maiores relevâncias na história da humanidade. No atual contexto cultural do Ocidente as falhas coléricas são mais sentidas e notadas, por uma mediocridade moral do senso comum, que subdimensiona os problemas dos omissos e passivos de uma realidade cada vez mais imoralizada em suas instituições pelos herdeiros do pensamento utópico sanguinário esquerdista. O que tem cativado a massa, imprecisa em tato analítico, mas cansada da opressão dos oligarcas, é justamente a autenticidade do colérico em defender o que vê como correto a despeito da reprovação alheia; os não autênticos geralmente têm algo impublicável a esconder.


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