Pânico e "novo normal"


Recentemente o presidente Donald Trump, curado da Covid-19, tuitou que os americanos devem ter esperança contra o vírus. Chris Evans, o ator de Capitão América, protestou no mesmo Twitter, alegando que aquelas palavras supostamente irresponsáveis “eram demais até para Trump”. O comentarista político e comediante Steven Crowder, por sua vez, redarguiu a Evans: considerando a baixíssima taxa de mortes pela (e com a) doença, há motivos para desesperançar? 

A despeito de eventual motivação politiqueira do astro d’Os Vingadores, a situação é ilustrativa de como o medo nos pode turvar a reta visão das coisas. Evans é seguido acriticamente por milhões de pessoas, gera opiniões e amplifica posições recebidas. Para não frustrar a sina dos artistas, o Steve Rogers das telas não se faz de rogado em nutrir o debate público com sua cota de estupidez (o ator, por exemplo, é favorável ao aborto). 

Segundo Santo Tomás, o medo é uma das paixões da dimensão irascível da alma e diz respeito a um mal presumivelmente por realizar, o sofrimento com respeito a um mal que se mostre futura e proximamente: tememos mais as ondas próximas que os maremotos longínquos. Assim, em mentes normais, o nível do resguardo psicológico do temor é proporcional à ameaça que se apresenta. Temer igualmente um pequeno peixe de aquário e um tubarão é sinal inequívoco de disfunção no juízo, de destempero psíquico. 

A histeria, como tecnicamente se chama um tal evento, pode, sim, alçar-se à categoria de comportamento social, turvando nossa visão a ponto de, içada a âncora que nos aferra à realidade, tornar legítima e aplaudida a loucura que, logo, institucionaliza-se. 

Na Inglaterra, às quartas-feiras (com manifestações também em outros países europeus), as pessoas têm comparecido às janelas para homenagear com aplausos os profissionais de saúde, que certamente prestam serviço indispensável neste momento de pandemia e, de fato, merecem louvores. Difundida entre os britânicos sob o título #clapforourcarers, a prática começou na Itália, com crianças pendurando desenhos nos parapeitos para renovar a esperança de que tutto andrà bene. Não sei se Evans aprova. 

Os aplausos são ululantes, entusiasmados, mas o ato, a priori meritório, pode implicar um problema, como notou certo escritor: quando muitas pessoas expressam um gesto coletivamente, como será visto aquele que se abstiver de fazê-lo? Certamente, como inimigo do povo. Posso fazer um belíssimo trabalho nos bastidores, subsidiar os serviços de saúde e auxiliar aos fins de semana as crianças com câncer da minha cidade, mas simplesmente não me levantar para ir até minha janela às 20h das quartas. “Qualquer que seja a sua convicção interior, é mais seguro participar. Fazendo isso, você evita chamar a atenção para si mesmo e presume-se que pensa e se sente como qualquer outra pessoa, o que é sempre mais seguro”. 

Na Romênia comunista, a população era obrigada a aplaudir Ceausescu com euforia, histericamente, continuando enquanto ninguém parasse para não se mostrar desalinhado à burocracia oficial. 

Nesta pandemia, não ceder ao pânico, apesar de respeitosamente lamentar cada morte, tornou-se sinal de insensibilidade e irresponsabilidade. No chamado “novo normal”, não basta ter emoções, há que expressá-las. Isso não tem relação com a lição sobre a mulher de César (“À mulher de César não basta ser honesta, tem de parecer honesta”), nem tampouco com a instigação de virtudes cívicas, mas com a sinalização hipócrita (e portanto falsa) destas. 

A esses, cabe mais: “A mulher de César não precisa ser honesta, basta bradar que o é”.


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